A CONCEPÇÃO DO MONSTRO EM BOCATORTA, DE MONTEIRO LOBATO

  • Caroline FERNANDES
Palavras-chave: monstro, religião, Monteiro Lobato, racismo, feio

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre a concepção do monstro na literatura, pela perspectiva da representação do personagem Bocatorta, protagonista do conto homônimo de Monteiro Lobato de 1923. Esta construção ocorre dentro do conto, essencialmente, na atribuição da feiúra como célula da monstruosidade. Além da evocação do feio é possível verificar a monstruosidade atrelada à essência da maldade dentro da história da religião, na dicotomia entre o belo e o feio, associada à oposição entre o bem e o mal. Além dessa reflexão inicial, é possível pensar a concepção do homem negro no contexto em que se dá a obra. Pensar o momento histórico do Brasil no contexto de surgimento da obra, que há pouco tempo estava livre do regime de escravidão, colabora para pensar, em que medida, aspectos da biografia do autor e o racismo que emana deste momento histórico, influenciam a leitura do monstro como um monstro. A estrutura familiar e social encenada no conto evoca os preconceitos inerentes a uma determinada classe social e modo de vida. Verifica-se no conto como a construção do monstro vai além do maniqueísmo clássico uma vez que ela envolve construções sociais, estruturas religiosas das mais antigas e mesmo à própria psicanálise, ao pensar sobre a luta do indivíduo com a sua sombra e seus aspectos “imundos”. Levantadas essas reflexões é possível vislumbrar no conto a evocação do sobrenatural, dos sonhos premonitórios, das maldições de morte e das referências ao inferno, mas em uma outra camada pode-se verificar uma visão pragmática dos conflitos e tragédias nascidas da exclusão e preconceito diante do feio. O conto transita entre a construção clássica do monstro oposto ao belo, também essencialmente mau, e o monstro construído pelo isolamento e descriminação de uma sociedade moderna.