A LIBERDADE DE TESTAR VERSUS O DIREITO À HERANÇA: ENTRE OS INTERESSES DO SUCEDIDO E OS INTERESSES DOS SUCESSORES

  • Luciane Sobral Mestrado UniBrasil
Palavras-chave: sucessões, liberdade, testamento, herança.

Resumo

O ordenamento jurídico brasileiro, através do Código Civil, restringe a herança a familiares mais próximos, definidos pela lei como herdeiros necessários, aos quais é reservada a parte indisponível da herança que corresponde à metade de todo o patrimônio deixado pelo de cujus, denominada legítima. Por esse motivo, não há possibilidade de uma pessoa que possua herdeiros necessários dispor em testamento a integralidade de seu patrimônio; nesse sentido, está presente a intangibilidade da legítima no ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que, a existência dessa limitação vai de encontro ao princípio da liberdade do testador que, muitas vezes, constituiu seu patrimônio e pode ter interesse em deixa-lo a apenas um dos herdeiros ou a um terceiro que não está na condição de herdeiro necessário; possibilidade essa que a legislação limita em cinquenta por cento, em virtude da legítima, anteriormente mencionada. Apesar da legítima não figurar expressamente no texto constitucional (CRFB), seus pilares estão nele inseridos: o direito à herança (art. 5º, XXX, CRFB), a livre iniciativa (art. 1º, IV, CRFB), o direito de propriedade (art. 5º, XXII, CRFB), a proteção à família (art. 226, CRFB) e a solidariedade (art. 3º, I, CRFB). Há, no entanto, uma dicotomia entre a existência da legítima, que acaba por limitar a disposição de patrimônio do autor da herança, versus o direito à herança dos sucessores (herdeiros necessários). Na legislação em vigor, a sucessão legítima prevalece em relação à liberdade de testar, vez que o direito à herança está previsto como um direito fundamental e há normas legais impostas ao testador que limitam sua liberdade de testar. Referida prevalência visa a assegurar os valores sociais da família e o princípio da solidariedade familiar em detrimento da autonomia individual que se colocaria em prejuízo dos componentes da família; o critério da necessidade e a função social da propriedade levam a considerar a essencialidade dos bens para os herdeiros como indispensáveis à sua moradia e subsistência, ocasião em que há uma expectativa de herança que coincide com uma expectativa de legado, restringindo a liberdade testamentária. Por outro lado, grande parte da doutrina defende a ineficácia da legítima nas famílias atuais, por entender que a herança na atualidade deixou de ser um mecanismo obrigatório de proteção da família. Nesse sentido, inclusive, há um pré-projeto de alteração de disposições sucessórias do Código Civil que prevê a extinção da legítima, permitindo sua presença apenas em caráter de exceção, quando se tratar de herdeiros vulneráveis. Portanto, verifica-se a existência da dicotomia entre a liberdade de testar, que invoca o princípio do direito à liberdade versus o direito à herança dos sucessores, que possui respaldo no direito à família, na solidariedade familiar e no direito de propriedade, sendo essa última a que prevalece no atual ordenamento jurídico brasileiro.

Biografia do Autor

Luciane Sobral, Mestrado UniBrasil
Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia - UniBrasil.
Publicado
2020-01-22