A TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH COMO FORMA DE RECONDUÇÃO DOS EXCLUÍDOS AO ESPAÇO PÚBLICO DELIBERATIVO – O DESAFIO CONSTITUCIONAL DE TORNAR EFETIVO O DIREITO À MORADIA

  • Fabio Rodrigo Milani Unibrasil
Palavras-chave: MORADIA, AXEL HONNET, TRATADOS INTERNACIONAIS, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITOS FUNDAMENTAIS, EFETIVIDADE

Resumo

Não são de agora notícias dando conta de que há demasiada densidade populacional alocada nas grandes cidades.

Ocorre que os grandes centros já abarrotados de gente não comportam de maneira adequada seu contingente que diuturnamente aumenta, não fornece estrutura básica, não dispõe de empregos, sequer há espaço físico para sua alocação de forma digna, razão pela qual nas últimas décadas observa-se um crescimento desregulado das cidades e a inerente formação de favelas, cortiços e invasões em grande medida resultado da incapacidade estatal de administrar o problema.

Segundo notícia publicada pelo IBGE em 20/12/2017, 38,1% da população que vive em áreas urbanas, um contingente de 36,1 milhões de pessoas, estão em baixa, baixíssima ou precárias condições de vida.

No que concerne à moradia, de acordo com a PNAD Contínua 2017 , 5,4 milhões de pessoas vivem sem banheiro exclusivo, 2,7 milhões possuem materiais não-duráveis nas paredes externas do domicílio (como tapumes ou madeira retirada de pallets) e analisando o número de indivíduos por cômodo da casa utilizado como dormitório, verifica-se um adensamento domiciliar excessivo, apresenta o alarmante número de 12,2 milhões de pessoas.

Ademais, de ressaltar o fato de que para aqueles que conseguem alugar uma residência, 10,1 milhões de pessoas despendem mais de 30% do rendimento familiar com seu pagamento.

Apenas pela análise dos números fornecidos pelo IBGE já se percebe que as políticas públicas voltadas à moradia não se apresentam suficientes para a salvaguarda de condições mínimas de uma existência digna.

A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, em linhas gerais, significa dizer que a ordem econômica e social de nosso Estado está voltada para, dentre outros, o respeito, o asseguramento de condições mínimas ao desenvolvimento humano, a valorização da vida e a proteção de condições degradantes.

Neste contexto a moradia reveste-se do reconhecimento de ser ela um direito imanente à dignidade da pessoa humana e como tal, enquanto faceta desta dignidade, impõe repensar o modelo de matiz Liberal cujo arcabouço normativo visava a proteção das denominadas liberdades públicas de cunho exclusivamente patrimonialista e que tem no direito à propriedade um de seus desideratos, para um modelo de matiz Social que orienta e impõe a implementação de Políticas Públicas habitacionais com fim último de conferir, através da moradia, respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cuja opção constituinte o erigiu à categoria de verdadeiro fundamento de nossa República.

O reconhecimento, portanto, do direito à moradia enquanto direito social que segundo CARVALHO[1] representa a garantia da participação do povo na riqueza coletiva, implica, necessariamente, discutir a efetividade destes direitos num contexto histórico marcado de profunda desigualdade social cuja implementação de Políticas Públicas encontra entraves não só de natureza orçamentária, mas também da própria “agenda” política que, a depender das opções por ela elencadas, e diga-se, demais das vezes colidentes com os objetivos constitucionalmente estabelecidos, graduam a implementação e efetividade dos programas sociais habitacionais.

Ocorre que grande parte deste problema está arraigado à paradigmas de ordem social, demonstrando uma sociedade calcada em classes sociais que fomenta a segregação e marginalização daqueles menos favorecidos e a exclusão destes na tomada de decisões.

No contraponto desta situação fática a República Federativa do Brasil, por meio de sua Constituição, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, em linhas gerais, significa dizer que a ordem econômica e social de nosso Estado está voltada para, dentre outros, o respeito, o asseguramento de condições mínimas ao desenvolvimento humano, a valorização da vida e a proteção de condições degradantes.

Cupre informar, também, que o direito à moradia recebe amplo amparo no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, remontando seu reconhecimento à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948 onde a Assembleia Geral das Nações Unidas, estabelecendo uma nova ordem internacional pautada na cooperação e solidariedade, reconheceu e declarou o direito à moradia como sendo direito de qualquer ser humano independente de época ou lugar, em cujos termos assim restou consignado em seu artigo XXV, item 01:

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”

Ainda que a Declaração não goze de força cogente perante as Nações signatárias, não se pode deixar de conferir a importância do instrumento como fonte originária no âmbito internacional .

Em conjunto com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e formando um arcabouço normativo básico em relação ao direito à moradia está o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 19 de dezembro de 1966, e que entrou em vigor em 1976 após a necessária adesão de trinta e cinco países, novamente referenda o direito universal à moradia, todavia, neste instituto adjetiva-se a moradia em seu artigo 11, item 1 :

“Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.”

A qualificação da moradia como adequada demonstra o reconhecimento de que há certas moradias inadequadas as quais seriam, portanto, incompatíveis com a garantia jurídica dos instrumentos internacionais, motivando o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, em 12 de dezembro de 1991, a editar o Comentário Geral nº 4 estabelecendo os elementos mínimos identificadores de uma moradia adequada:

“7. Na opinião do Comité, o direito ao alojamento não deve entender-se em sentido restrito. Não se trata aqui de proporcionar um simples tecto a servir de abrigo ou de considerar o direito ao alojamento exclusivamente como um bem. Pelo contrário, deve ser visto como o direito a um lugar onde seja possível viver em segurança, em paz e com dignidade. No mínimo, por duas razões. Primeiro, o direito ao alojamento está inteiramente ligado a outros direitos humanos e aos princípios fundamentais que formam as premissas do Pacto. Assim, “a dignidade inerente à pessoa humana”, de que decorrem os direitos enunciados no Pacto, exige que a expressão “alojamento” seja interpretada de modo a ter em conta diversas outras considerações e, principalmente, o facto de que o direito ao alojamento deve ser assegurado a todos sem discriminação alguma com base nos rendimentos ou no acesso a outros recursos económicos. Segundo o disposto no artigo 11º, n.º 1 não deve ser entendido como visando um “alojamento” tout court, mas sim um alojamento adequado. Como o afirmou a Comissão sobre os Estabelecimentos Humanos e se encontra definido na Estratégia Global para o Abrigo para o Ano 2000, “uma habitação adequada compreende […] intimidade suficiente, espaço adequado, segurança adequada, iluminação e ventilação suficientes, infra-estruturas básicas adequadas e localização adequada relativamente ao local de trabalho e aos serviços essenciais – tudo isto a um custo razoável para os beneficiários”.

Ainda em relação ao reconhecimento do direito universal à moradia no âmbito do direito internacional, pode-se citar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 , a Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher em seu artigo 14.2, item h, bem como a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 que em seu artigo 27, item 03 assim estabeleceu:

Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.

Não se refuta a existência de vários outros dispositivos internacionais que apontam no mesmo sentido - o de conferir condições dignas aos seres humanos e dentre elas elencarem o direito à moradia adequada -, todavia, em razão dos limites metodológicos não serão abordados .

Como se percebe, a ordem internacional produziu inúmeros dispositivos com vistas a conferir conteúdo mínimo protetivo à Dignidade Humana, estabelecendo o direito à moradia digna como um de seus elementos componentes, e assim o fazendo, em razão da participação da comunidade internacional na sua construção e a consequente ratificação destes instrumentos, resultaram no influxo do reconhecimento do direito à moradia por diversas Nações formando o denominado “direito constitucional internacional” devido a aproximação e harmonização de seu conteúdo às ordens internas da comunidade internacional, o que não significa uma identidade necessária, haja vista o catálogo de Direitos Fundamentais, por vezes, ficar aquém do conteúdo contemplado nos documentos internacionais .

Neste contexto é que se analisa a teoria de Alex Honneth como forma de inclusão destes relegados a condições de habitabilidade precária através do reconhecimento como seres dotados da mesma dignidade material aplicável a todos os membros da comunidade como participantes da formação da vontade geral.

Assim passa-se pela demonstração, de forma suscinta, mas sem perder sua essência, da teoria desenvolvida por Honneth através das bases construídas por Hegel e Mead para, após isto, tratar a questão do esquecimento daqueles relegados a condições indignas de moradia à luz da Teoria do Reconhecimento.

Axel Honneth nasceu em 18 de julho de 1949 em Essem cidade ao oeste da Alemanha, próximo das cidades de Bonn e de Düsseldorf, tornou-se mestre em filosofia em 1974, em 1984 defendeu sua tese de doutoramento pela Universidade Livre de Berlim . Em 1990 defendeu sua tese de livre docência no Departamento de Filosofia da Universidade de Frankfurt. Atualmente é diretor cientifico do instituto para pesquisa social da Universidade Johann Wolfgang von Goeth de Frankfurt, função que já fora desempenada por Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas. Ator destacado da “terceira geração” da “Escola de Frankfurt” desenvolveu sua teoria a respeito do “Reconhecimento Intersubjetivo e Social” como conceito para o entendimento das origens das relações sociais conflitosas e para a compreensão do processo evolutivo das sociedades.

Honneth desenvolve sua Teoria do Reconhecimento e a apresenta em 1992 em seu livro Luta por Reconhecimento - a gramática moral dos conflitos sociais tendo com marcos teóricos as ideias de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e George Herbert Mead , onde suscintamente trata da ideia de que a identidade dos indivíduos é determinada por um processo intersubjetivo mediado pelo reconhecimento.

Por meio do reconhecimento Honneth busca a construção de uma sociedade de caráter normativo partindo da proposição de que o conflito é inerente tanto à formação da intersubjetividade quanto do próprio sujeito, onde tais conflitos não se conduzem pelo viés da auto preservação individual, mas sobretudo decorre de uma luta moral, uma vez que a sociedade é pautada por obrigações intersubjetivas, assim, em Honneth o conflito social é considerado como a pedra motriz da construção da identidade social e coletiva.

A Teoria do reconhecimento é formada, ou se desenvolve em três níveis - o nível do amor, do direito e o da estima social, sendo todos estes níveis dissociados de qualquer aspecto econômico. Vale ressaltar que estas esferas/dimensões/níveis de reconhecimento não são estanques, antes interligados e relacionados, formando um conjunto formador do reconhecimento conforme afirmou Honneth:

“de acordo com isso, são três formas de reconhecimento do amor, do direito e da estima social que criam primeiramente, tomadas em conjunto, as condições sociais sob as quais os sujeitos humanos podem chegar a uma atitude positiva para com eles mesmos; pois só graças à aquisição cumulativa de autoconfiança, auto respeito e autoestima, como garante sucessivamente a experiência das três formas de reconhecimento, uma pessoa é capaz de se conceber de modo irrestrito como um ser autônomo e individuado e de se identificar com seus objetivos e seus desejos”


[1] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 10.

Biografia do Autor

Fabio Rodrigo Milani, Unibrasil
MESTRANDO EM DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEOCRACIA UNIBRASIL
Publicado
2020-01-22