O ESFACELAMENTO DA CULTURA PELA INFORMAÇÃO FRAGMENTADA

  • Sandro Mansur Gibran UniCuritiba
  • Maria da Conceição Lima Melo Rolim

Resumo

Ao buscar-se um conceito, inúmeras são as acepções de cultura a partir da Filosofia, da Sociologia, da Antropologia, da Biologia etc.. Entretanto, há unanimidade nas ciências quando atestam que a cultura designa a manifestação do pensamento e da ação humana e dissemina-se em comportamentos, atitudes e opiniões que se difundem.

Quando se trata da manifestação do pensamento e da ação humana, é inegável que o Direito, a Ciência e a Arte emanam e afirmam a criatividade e a inteligência do homem e da mulher; e são também elementos formadores de determinada cultura.

Assim sendo, e seja como for, não há como dissociar a cultura da existência humana pois é por meio dela que a humanidade se desenvolve e percebe a realidade. Ademais, a cultura não é determinante para qualquer ser humano porque é a pessoa que, ao exercer a sua própria liberdade, apreende ou refuga aquilo que percebe, contribuindo, consequentemente, para o crescimento e/ou para as mudanças comportamentais e culturais.

A cultura, que decorre da liberdade humana, está naturalmente sujeita a transformações, e a formação cultural é essencial para ampliar horizontes, considerar outras perspectivas, compreender e superar dificuldades.

Sob o compromisso de difusão de cultura, haja vista o disposto no art. 221 da Constituição da República Federativa do Brasil, o rádio e a televisão, e também a internet e as redes sociais competem a atenção da coletividade, propagando enormes quantidades de informações, ágeis e objetivas, contudo fragmentadas.

A dinâmica vida em sociedade, estimulada pela progressiva transformação tecnológica, iniciada com a máquina a vapor para a utilização de energia atômica; o necessário apelo ao desenvolvimento sustentável e a exaltação à inteligência artificial justificam uma nova revolução industrial, com repercussões na economia, nos comportamentos, nas relações humanas, na educação e na produção do conhecimento.

O curioso é que o enriquecimento do Estado, direta ou indiretamente possibilitado por esta constante e interminável aquisição de tecnologia, traz em contrapartida uma profunda transformação, talvez negativa, na tutela de muitas das garantias individuais e coletivas, direitos de todos[1] – que se espera – protegidos pelo Poder Público.[2]

A realidade da globalização, o processo nacional de desestatização e de transferência de poderes e recursos da administração pública para a iniciativa privada traduziu o fim da longa trajetória do Estado paternalista, que deixou de ser onipotente e onipresente para se transformar em um fiscalizador da atividade empresarial, sujeitando sua posição de autoridade absoluta em prol do desenvolvimento econômico.

Independentemente das discussões acerca da evolução natural das antigas concepções de Direito Público e de Direito Privado, ou do fim desta dicotomia, esse processo de descentralização do Estado significou, sem dúvida, uma revolução nos conceitos culturais, científicos e econômicos. Neste momento, sem ousar estabelecer qual seria um conceito de Estado[3], haja vista que este não é o intuito do presente trabalho, e ainda ciente de que diversas são as teorias que estabelecem diferentes concepções e papéis, variando de acordo com o contexto histórico, ordem política ou ideológica, tentar-se-á delimitar suas funções peculiares, com fulcro na doutrina clássica do Direito.

Tem-se, deste modo, como função do Estado, a manutenção da ordem, a promoção do progresso e a realização do bem público. Trata-se, pois, de um governo hegemônico, mais forte que seus cidadãos e que as instituições públicas ou privadas, capaz de valer-se da coerção para alcançar o bem estar comum, e que o seja assim reconhecido perante a sociedade internacional.

Um Estado não hegemônico não é propriamente um Estado, que por não poder cumprir com seus deveres fundamentais acabaria em completa anarquia, um caos, situação de desconforto e insegurança à sociedade, que implicaria em sua conquista e/ou extinção.

Ocorre que, por meio da tecnologia da informação e comunicação, o Big Data[4] é atualmente o pilar fundamental da economia de mercado e é dotado de uma considerável parcela de poder: poder sobre os outros participantes do mercado de bens e de serviços; poder sobre a própria estabilidade de mercados; poder sobre os rumos do controle oficial da economia; poder sobre a coletividade. Como em tempos passados havia o domínio da família patriarcal, da Igreja, da vila, das corporações profissionais que caracterizaram um determinado tipo de sociedade, o Big Data representa, hoje, o principal protagonista na difusão de informações, de conhecimento e, consequentemente, de cultura.

A veiculação de muitas informações fragmentadas, ágeis e objetivas são úteis ao Big Data pois, diante da intangibilidade, ultrapassam fronteiras, barreiras alfandegárias, instrumentalizando a livre circulação de bens, serviços e capitais, intensificando a instauração de um processo de massificação global. Note-se que a humanidade já está sujeita aos mesmos produtos, aos mesmos serviços, às mesmas informações, às mesmas publicidades, aos mesmos ícones culturais.

Então, muito mais do que a uniformização do gosto, o Big Data, alterando as concepções de tempo e espaço, interferirá em valores culturais que até então diziam respeito a um determinado grupo, a um determinado povo, a um determinado Estado.

Em outras palavras, a curto prazo o Big Data, incentivado pelo liberalismo econômico desenfreado, ápice da descaracterização do Estado hegemônico em face da atividade privada, acarretará o desmantelamento da cultura inerente a cada povo. Os cidadãos denominados brasileiros, mexicanos, portugueses, franceses etc. passarão a ser, simplesmente, consumidores produzidos em série.

 

[1] Consoante art. 170 da Constituição.

[2]“...Essas empresas globais, que já assustam com seu tamanho atual, tendem a se tornar ainda maiores, comprando empresas concorrentes ou se unindo a elas, e a tendência é a intensificação desse processo nos últimos anos. As empresas que hoje vemos possuem faturamento anual superior ao PIB de muitos países (caso da GM, que em 1997 teve um faturamento de 178 bilhões de dólares, quase duas vezes o PIB de Cingapura), e empregam um número fabuloso de funcionários (a Ford Motor possui um quadro de 363.000 funcionários)” (in ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo e Taís Cristina de Camargo Michelan. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 117, p. 157/162, jan/mar., 2000, p. 159).

[3] Para STRENGER (1998) “Estado é uma coletividade humana, situada em um espaço determinado, dotado de sistema de governo, da personalidade jurídica internacional e da soberania” (STRENGER, Irineu. Relações internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 165).

[4] O Gigante das Informações está relacionado à capacidade de gerir grandes quantidades de informações e por meio das quais se pretende extrair conhecimentos úteis ao processo de tomada de decisões, servindo de instrumento ao Estado, ao empresariado, à educação etc..

Ao buscar-se um conceito, inúmeras são as acepções de cultura a partir da Filosofia, da Sociologia, da Antropologia, da Biologia etc.. Entretanto, há unanimidade nas ciências quando atestam que a cultura designa a manifestação do pensamento e da ação humana e dissemina-se em comportamentos, atitudes e opiniões que se difundem.

Quando se trata da manifestação do pensamento e da ação humana, é inegável que o Direito, a Ciência e a Arte emanam e afirmam a criatividade e a inteligência do homem e da mulher; e são também elementos formadores de determinada cultura.

Assim sendo, e seja como for, não há como dissociar a cultura da existência humana pois é por meio dela que a humanidade se desenvolve e percebe a realidade. Ademais, a cultura não é determinante para qualquer ser humano porque é a pessoa que, ao exercer a sua própria liberdade, apreende ou refuga aquilo que percebe, contribuindo, consequentemente, para o crescimento e/ou para as mudanças comportamentais e culturais.

A cultura, que decorre da liberdade humana, está naturalmente sujeita a transformações, e a formação cultural é essencial para ampliar horizontes, considerar outras perspectivas, compreender e superar dificuldades.

Sob o compromisso de difusão de cultura, haja vista o disposto no art. 221 da Constituição da República Federativa do Brasil, o rádio e a televisão, e também a internet e as redes sociais competem a atenção da coletividade, propagando enormes quantidades de informações, ágeis e objetivas, contudo fragmentadas.

A dinâmica vida em sociedade, estimulada pela progressiva transformação tecnológica, iniciada com a máquina a vapor para a utilização de energia atômica; o necessário apelo ao desenvolvimento sustentável e a exaltação à inteligência artificial justificam uma nova revolução industrial, com repercussões na economia, nos comportamentos, nas relações humanas, na educação e na produção do conhecimento.

O curioso é que o enriquecimento do Estado, direta ou indiretamente possibilitado por esta constante e interminável aquisição de tecnologia, traz em contrapartida uma profunda transformação, talvez negativa, na tutela de muitas das garantias individuais e coletivas, direitos de todos[1] – que se espera – protegidos pelo Poder Público.[2]

A realidade da globalização, o processo nacional de desestatização e de transferência de poderes e recursos da administração pública para a iniciativa privada traduziu o fim da longa trajetória do Estado paternalista, que deixou de ser onipotente e onipresente para se transformar em um fiscalizador da atividade empresarial, sujeitando sua posição de autoridade absoluta em prol do desenvolvimento econômico.

Independentemente das discussões acerca da evolução natural das antigas concepções de Direito Público e de Direito Privado, ou do fim desta dicotomia, esse processo de descentralização do Estado significou, sem dúvida, uma revolução nos conceitos culturais, científicos e econômicos. Neste momento, sem ousar estabelecer qual seria um conceito de Estado[3], haja vista que este não é o intuito do presente trabalho, e ainda ciente de que diversas são as teorias que estabelecem diferentes concepções e papéis, variando de acordo com o contexto histórico, ordem política ou ideológica, tentar-se-á delimitar suas funções peculiares, com fulcro na doutrina clássica do Direito.

Tem-se, deste modo, como função do Estado, a manutenção da ordem, a promoção do progresso e a realização do bem público. Trata-se, pois, de um governo hegemônico, mais forte que seus cidadãos e que as instituições públicas ou privadas, capaz de valer-se da coerção para alcançar o bem estar comum, e que o seja assim reconhecido perante a sociedade internacional.

Um Estado não hegemônico não é propriamente um Estado, que por não poder cumprir com seus deveres fundamentais acabaria em completa anarquia, um caos, situação de desconforto e insegurança à sociedade, que implicaria em sua conquista e/ou extinção.

Ocorre que, por meio da tecnologia da informação e comunicação, o Big Data[4] é atualmente o pilar fundamental da economia de mercado e é dotado de uma considerável parcela de poder: poder sobre os outros participantes do mercado de bens e de serviços; poder sobre a própria estabilidade de mercados; poder sobre os rumos do controle oficial da economia; poder sobre a coletividade. Como em tempos passados havia o domínio da família patriarcal, da Igreja, da vila, das corporações profissionais que caracterizaram um determinado tipo de sociedade, o Big Data representa, hoje, o principal protagonista na difusão de informações, de conhecimento e, consequentemente, de cultura.

A veiculação de muitas informações fragmentadas, ágeis e objetivas são úteis ao Big Data pois, diante da intangibilidade, ultrapassam fronteiras, barreiras alfandegárias, instrumentalizando a livre circulação de bens, serviços e capitais, intensificando a instauração de um processo de massificação global. Note-se que a humanidade já está sujeita aos mesmos produtos, aos mesmos serviços, às mesmas informações, às mesmas publicidades, aos mesmos ícones culturais.

Então, muito mais do que a uniformização do gosto, o Big Data, alterando as concepções de tempo e espaço, interferirá em valores culturais que até então diziam respeito a um determinado grupo, a um determinado povo, a um determinado Estado.

Em outras palavras, a curto prazo o Big Data, incentivado pelo liberalismo econômico desenfreado, ápice da descaracterização do Estado hegemônico em face da atividade privada, acarretará o desmantelamento da cultura inerente a cada povo. Os cidadãos denominados brasileiros, mexicanos, portugueses, franceses etc. passarão a ser, simplesmente, consumidores produzidos em série.

Biografia do Autor

Sandro Mansur Gibran, UniCuritiba

Doutor e Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR, com estágio pós-doutoral na UFPR; professor permanente do programa de mestrado e doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba.

Maria da Conceição Lima Melo Rolim

Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba; pós-graduanda em Direito Processual Civil pela AUDF/Brasília; Membro da Diretoria Geral da Faculdade Santa Terezinha - CEST.

Publicado
2021-11-22
Seção
UNIBRASIL FUTURO