A PROBLEMÁTICA EXISTENTE ENTRE A DECISÃO PROFERIDA NA ADI 4.275/STF E A REDAÇÃO “SEXO FEMININO” CONTIDA NO INCISO VI, DO ART. 121, DO CÓDIGO PENAL
Resumo
O termo feminicídio é utilizado para nomear a morte violenta de mulheres em determinados contextos sociais e políticos e, neste cenário, o Brasil ocupa a 5a colocação no ranking de Países que mais matam mulheres no mundo. Em 2013, após a conclusão dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência Contra a Mulher, verificou-se a necessidade de inclusão de uma circunstância legal específica capaz de nomear e caracterizar estes assassinatos praticados contra mulheres, motivados por razões de gênero. A proposta inicial da referida Comissão buscava tipificar o feminicídio sob a perspectiva da violência de gênero. Na legislação pátria, o artigo 121, do Código Penal, já tipifica a conduta “matar alguém”. Entretanto, o trâmite do projeto de lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sob forte pressão da bancada conservadora, excluiu o termo gênero, tendo sido aprovada a Lei 13.104/2015, que acrescentou ao tipo penal do artigo 121 a qualificadora do feminicídio no inciso VI, com a seguinte redação: “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. Desde a promulgação da referida lei, além das discussões sobre a necessidade de se incluir a perspectiva de gênero nos estudos e debates sobre violência, sobretudo por se tratar de mandamento legal encontrado no inciso II, do artigo 8o, da Lei 11.340/2006, outro ponto passou, também, a chamar a atenção, qual seja, a não proteção igualitária conferida pela lei do feminicídio a mulheres trans. A redação incluída ao artigo 121 ignorou o termo gênero, o qual enfatiza todo um sistema de relações de poder, que pode incluir o sexo e não é diretamente determinado por ele, nem determinante direto da sexualidade. A transexualidade verifica-se quando a pessoa se identifica com o gênero oposto àquele determinado pelo seu sexo biológico originário. Ao limitar a incidência da norma somente ao assassinato de mulheres do sexo feminino, a lei deixou de proteger mulheres transexuais, sobretudo aquelas que não se submeteram a cirurgia para mudança de sexo, mas que, ainda assim, se reconhecem como mulheres. De outra sorte, em 2018, o STF proferiu decisão colegiada no julgamento da ADI 4.275, na qual foi autorizada a alteração de nome e gênero no registro civil mesmo sem a realização de cirurgia de redesignação de sexo. Entretanto, para alguns, estender a redação do inciso VI do artigo 121 a mulheres transexuais seria interpretação extensiva in malam partem. Ocorre que a proteção da lei, a fim de se concretizar Direitos Fundamentais às mulheres, deve ser entendida sob uma perspectiva de gênero, e em sendo assim, a proteção às mulheres trans encontra respaldo constitucional, de modo que a questão da distinção entre gênero e sexo não diz respeito apenas a uma diferenciação linguística trivial, repercute, em termos práticos, na existência ou não de âmbito de proteção da qualificadora do feminicídio que, desta forma, não pode ser ampliado para abranger as pessoas que se reconhecem como mulheres.