TOXINA BOTULÍNICA NO TRATAMENTO DE ENXAQUECA CRÔNICA: REVISÃO DE LITERATURA

Resumo

Descrita pela primeira vez no século XIX por Kerner (1820), em casos de botulismo, a toxina botulínica (TB) deixou de ser reconhecida apenas como um potente agente tóxico para se tornar um recurso terapêutico consolidado em várias áreas da medicina. Seu mecanismo de ação baseia-se na capacidade de bloquear temporariamente a liberação de acetilcolina nas terminações nervosas, resultando em um efeito de paralisia muscular controlada. Embora inicialmente aplicada no manejo de distúrbios musculares, estudos recentes têm destacado sua relevância no controle da enxaqueca crônica (EC), uma condição debilitante caracterizada por episódios de cefaleia em 15 ou mais dias por mês, durante pelo menos três meses consecutivos. Na fisiopatologia da EC, observa-se um estado de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. A TB atua modulando essa sensibilização neuronal, reduzindo a atividade exacerbada de nociceptores relacionados à dor. Esse trabalho apresenta uma revisão de literatura, fundamentada em artigos científicos, livros e na Resolução nº 176/2016 do Conselho Federal de Odontologia (CFO), com o propósito de avaliar a eficácia da toxina botulínica como alternativa terapêutica para o tratamento da EC. As pesquisas foram realizadas nas bases PubMed e SciELO, utilizando os descritores do DeCS “Toxina Botulínica”, “Enxaqueca Crônica”, “Cefaleia”, “Odontologia” e “Terapia Farmacológica”, combinados com operadores booleanos. Foram incluídos trabalhos completos, em português e inglês, publicados entre 2003 e 2023 e disponíveis integralmente. Excluíram-se duplicatas, resumos e estudos fora da temática proposta. Dos 11 artigos inicialmente identificados, sete atenderam aos critérios de inclusão. Ensaios clínicos randomizados apontaram que a aplicação de onabotulinumtoxinA promove redução significativa da frequência das crises e da intensidade dolorosa, com impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes. O protocolo PREEMPT, amplamente validado, recomenda aplicações distribuídas nos músculos frontal (20 U), temporal (40 U), occipital (30 U) e cervical (20 U), totalizando entre 155 e 195 unidades. Os eventos adversos relatados são, em sua maioria, leves e transitórios, como dor local e ptose palpebral. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) regulamenta o uso terapêutico da TB, cuja aplicação é autorizada a profissionais capacitados, incluindo cirurgiões-dentistas, conforme a Resolução CFO nº 176/2016. Conclui-se que a toxina botulínica representa um recurso seguro e eficaz no manejo da enxaqueca crônica, constituindo um avanço relevante na terapêutica da dor. Entretanto, novos estudos ainda são necessários para aperfeiçoar protocolos, ampliar a previsibilidade dos resultados e garantir maior acessibilidade ao tratamento.