DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS E SUA RELAÇÃO COM A FUNÇÃO MATERNA

DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS E SUA RELAÇÃO COM A FUNÇÃO MATERNA

  • Maria Jacqueline Schneider Biermeier UNIBRASIL
Palavras-chave: psicossomática; função materna; simbolização; fala; linguagem

Resumo

É importante diferenciar a histeria da psicossomática, uma vez que a via pela qual um indivíduo desenvolve uma situação psíquica e outra são diferentes. A teoria psicanalítica tem como horizonte de referência a fala e a capacidade de simbolização mediante dela, sendo esta constitutiva do sujeito e explica formações sintomáticas e caminho para a cura. Por isso, o processo de aprender a falar é tão importante, assim como a função materna atrelada a esse processo. Para avaliar a relação dos assuntos a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e descritiva desenvolvendo os temas propostos, entendendo suas variáveis e as relações entre elas uma vez que entender como o físico é afetado pelo psíquico, compreender a primeira relação que cada pessoa tem na vida (a mãe) é de substancial importância para construção de bases sólidas de conhecimento para a prática psicoterapêutica. Os objetivos do estudo são conhecer as singularidades da relação entre mãe e bebê, buscar as teorias que elucidam sobre o que são as doenças psicossomáticas e diferenciá-las da histeria, contextualizar como se forma o psiquismo de uma pessoa analisando  a influência do relacionamento mãe-bebê/criança sobre a saúde corporal e psíquica no corpo.

O desenvolvimento da capacidade de saber se expressar e colocar em palavras sentimentos e pensamentos derivados de fatos vividos funda como o indivíduo adulto lidará com as vicissitudes da vida. Na psicossomática o processo de aprendizagem de fala, inserido como efeito da função materna, está prejudicado, e por esse motivo, não há plena capacidade de simbolização psíquica ao que lhe acontece, sendo descarregada toda a energia do evento diretamente sobre o corpo. Foram encontrados suportes na pesquisa bibliográfica para concluir que a função materna pode determinar possibilidades de saúde ou adoecimento físico-psíquico no futuro de seu filho.

O neurótico entende (inconscientemente) onde está seu gozo e ele o suspende mediante o recalque. O que melhor caracteriza o neurótico é sua recusa de gozar, de satisfazer plenamente o seu desejo e o efeito dessa renúncia pode encontrar descarga na fala, pois o neurótico consegue simbolizar, expressar em palavras pensamentos e o que sente melhor que um paciente psicossomático. Na doença psicossomática as palavras se restringem a ilustrar uma ação sem fomentar elaborações, apontando assim falta de referência a um objeto interno vivo, tornando assim, a atividade fantasmática ausente. Não havendo apoio na capacidade simbólica e nem na sublimação o sujeito fica apenas exposto a uma realidade e não à vivência efetivamente, não há um valor libidinal, imaginação ou expressões simbólicas, o que também impede a exteriorização da agressividade. O sintoma neurótico é o retorno do que foi recalcado e, assim, permite uma satisfação pulsional de forma imperfeita, mas, ainda assim, existente. O fenômeno psicossomático também é uma tentativa de satisfação que, por sua vez, se manifesta direto no corpo sem qualquer encadeamento simbólico, não havendo distância entre o gozo e o corpo e, por isso, não cede à interpretação.

A criança para sobreviver precisa se alienar ao Outro que é mãe e, então, depois, desalienar-se e obter suas primeiras perdas de maneira minimamente saudável (deixar de mamar no peito, desfraldar, largar a chupeta, deixar de ser “o bebezinho” para ser “criança” e etc) e deste processo haverão os restos - que advém da inscrição do que primeiramente a criança é para sua mãe e depois ela o deixa de ser. E isso exprimirá uma carência que é fundamental à sua constituição enquanto sujeito. No fenômeno psicossomático algo se congela nesse momento psíquico porque as perdas primordiais não ocorreram, mas no lugar delas acontece uma quebra, uma ruptura no processo, uma falha no percurso do desenvolvimento. É essa falha que é encontrada como inscrição congelada, deixando o sujeito aglutinado entre esses dois momentos (alienação/separação) e ele fica aprisionado. A pessoa não se forma como um sujeito capaz de se movimentar psiquicamente com seus restos porque não há restos da relação primordial para trabalhar. As falhas suportam os fenômenos psicossomáticos que se situam nessas bordas entre alienação e separação. Encontramos o sujeito que se aliena, mas que não encontrou subsídios psíquicos suficientes para se separar. Nas repetições das alienações e separações (que são recorrentes ao longo do desenvolvimento) a criança, normalmente, pergunta o que a mãe quer dela e são nesses sulcos primordiais que a linguagem aparece e a criança é convocada a preencher o buraco da falha lógica: o enigma de sentido onde cabe um sujeito. É nessa incerteza (o que o Outro quer de mim?) que o inconsciente passa a trabalhar, nesse vai e vem entre o desejo e a demanda, entre o si mesmo e o Outro, exatamente por isso, oferece a chance de uma nova “vetorização das significações – mas sempre sob a condição de mantermos o equilíbrio sobre a frágil linguagem. Sem os processos de alienação e separação a criança não se diferencia, não vem a ser um sujeito e não há linguagem que se estruture. A transmissão da linguagem precisa de uma forma de intermediação que possibilite a inversão da demanda do Outro. Essa inversão é o equívoco, o lapso, um mal entendido, um signo que carregue ao mesmo tempo a lei e o seu avesso: o gozo e a interdição do gozo. A linguagem se transmite como uma fala que, embora se inscreva sobre o corpo da criança, precisa não respeitar a escritura prévia para implicar o pequeno humano no trauma que ela causa. É um jogo (novamente) de separação e falta. E este, então, é o véu da alienação e da separação.

A função materna se faz supreendentemente poderosa sobre o desenvolvimento do sujeito, que, inicialmente, precisa ser objetalizado. A via de afeto e proteção da mãe sobre a criança a capacita a tolerar adversidades, pois a mãe a está ensinando que elas podem ser contornadas e o senso de coesão e de continuidade fica preservado. A mãe precisa querer e efetivamente estar atenta ao entendimento do que seu bebê/criança precisa. A emissão verbal da criança pode vir do grito, seja ele de gozo ou de dor e cabe à mãe distinguir cada som emitido, cada gesto, compreendendo o que ele significa. Quando os adultos que fazem parte da convivência da criança não favorecem o entendimento para com ela, esta não adquire repertório linguístico. Crianças pequenas têm poucas palavras para simbolizar coisas que, por vezes, são muito complexas. Isso precisa ser construído junto com ela e caso não ocorra, se dá a condição do paciente psicossomático. Nessa condição a pessoa tem poucas palavras, assim como uma criancinha que não foi treinada para falar e simbolizar. Se ela não fala, não consegue simbolizar, não consegue fazer uma metáfora, exatamente o que falta à pessoa psicossomática frente aos fatos que lhe acontecem.

Se o recebimento de investimento materno é expulso ou inexistente da experiência psicológica de uma pessoa qualquer tentativa espontânea do corpo ou a toda influência graciosa do ambiente na direção de um desenvolvimento sadio corresponderá um mecanismo de boicote e impedimento defensivo por parte da psique ferida. A maior e melhor contribuição de uma mãe para a construção da identidade do filho é seu olhar. Seus olhos funcionam como um espelho que dá à criança uma noção de seus contornos – tanto física quanto psiquicamente. Assim sendo, as doenças psicossomáticas podem vir a ser parte da vida de um indivíduo que teve um investimento de função materna empobrecida, pois a maternidade precisa estar envolta com aspectos afetivos para que a criança desenvolva a capacidade de se expressar, do contrário, a alma do filho fica excluída, assim como a alma da mãe. É preciso uma forte libidinização sobre a criança nos primeiros anos de vida quando ainda não há aparato linguístico presente nela e, assim, aprenderá a expressar seus desejos e o que ela sente. Somente depois do Édipo as condições de simbolizar estão mais fortalecidas - se não houve um grande prejuízo nesse percurso. Mas, para que haja a possibilidade de expressão por parte da criança é preciso que o olhar materno seja receptivo e acolhedor. São necessários o silêncio e a suspensão de toda e qualquer expectativa quanto ao filho ou filha e esse é um despojamento e abertura muito difíceis, pois é inevitável que um pai e uma mãe esperem algo de seu filho. Não raro, a existência de expectativas está ligada às necessidades infantis dos próprios pais que não foram atendidas, em especial aquelas relativas aos cuidados maternos.

Diz-se que língua materna é a língua que a criança aprende a falar de acordo com o país e região em que ela nasceu e cresceu. Mas na realidade trata-se da relação linguística que a criança estabelece com a sua mãe. Balbuciar a língua materna é a primeira comunicação da criança e, assim, aos poucos ela se prepara para a língua e para o discurso, já que o desenvolvimento humano é marcado por tendências à formação de estruturas, das mais simples às mais complexas, menos organizadas para as mais organizadas, da confusão para a categorização. A economia psicossomática tenta manter o equilíbrio por meio de seus recursos mais organizados, de natureza mental, quando presentes, e estes são representados pelas vias orgânicas, motoras e de pensamento dando, assim, uma ordem para que esses recursos possam ser utilizados. A perturbação da economia psicossomática é provocada por traumas que são caracterizados pelo impacto afetivo sobre uma pessoa. Isso contraria ou a organização do período do crescimento ou a organização já mais evoluída, no momento do trauma. Os traumatismos desorganizam os sistemas funcionais que equilibram certo estágio evolutivo e desafiam a pulsão de vida que, abalada, pode ser superada pela pulsão de morte. Por isso, ocorre a contra evolução, devido ao desaparecimento das organizações outrora feitas dando lugar à confusão, apagamento de tônus vital e afetivo. Torna-se, então, uma vida operatória, em que as palavras são apenas descritoras da realidade, impassíveis de uma representação diferente, uma simbolização.

Enquanto na neurose há recalque do desejo, este passou pelo psiquismo e está ali, pronto a ser trazido para a consciência, para a palavra, até mesmo ao cotidiano. O paciente psicossomático não permite que o fato que possa causar-lhe trauma passe pelo seu aparelho psíquico e descarrega diretamente no corpo, sem que tenha para onde se reportar para elaborar e simbolizar.

É a mãe que apresenta o mundo para sua criança e pela sua própria fala a estimula a falar, se expressar e existir. A mãe que se faz realmente presente para seu filho faz o fundamento firme e essencial para construções psíquicas que propiciam um modo de viver mais harmônico com o meio em que esteja inserido. O indivíduo que teve a oportunidade de aprender em seus primeiros anos de vida como expressar o que sente e o que pensa tem sua capacidade aumentada para superar as vicissitudes normais da vida.

 

Palavras-chave: psicossomática; função materna; simbolização; fala; linguagem

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Publicado
2021-06-11
Seção
Psicologia